Trip Serra Caiada

Eita final de ano corrido. Depois que voltei de Serra Caiada não consegui parar pra escrever sobre a trip, mas agora chegou a hora.

Desde o encontro de escaladores em Brejo, que eu não pude ir por falta de tempo ($$$), que eu tava na fissura por uma trip. O pessoal da Fábrica de Monstrinhos já tinha meio que pré-combinado a ida pra Serra Caiada, no recesso entre o Natal e o Ano Novo, mas eu ainda não sabia se ia rolar. Chegando mais perto a data, eu ainda estava achando meio difícil de ir, mas como esse tipo de coisa não dá pra ficar pensando muito, resolvi logo fechar minha ida e pegar a estrada com o pessoal.

Saímos de Fortaleza (eu, Mario, Damito e Minhoka) às 5 da manhã do dia 26. Dos 4 no carro, apenas o Mario já conhecia a Serra Caiada, mas ele tinha ido lá quando estava começando a escalar. Então, pra todos, a expectativa era grande.

Chegamos em Serra Caiada por volta das 11 horas da manhã, o sol queimando tudo. Mario já tinha avisado ao Menger, maior divulgador da escalada em Serra Caiada, que nós iríamos, mas chegando lá, não conseguimos falar com ele. Perguntamos aqui e acolá, e descobrimos que ele estava por Natal. Mas recebemos a informação de que outro escalador local podia nos ajudar. Sem muito o que fazer, resolvemos comer algo e tomar o rumo da pedra, e deixar pra resolver a “dormida” depois. Chegando lá, cruzamos com um escalador acabando de sair da pedra, corda e mochila nas costas. Nos apresentamos e e descobrimos que ele era o escalador local que indicaram: Denn Malloy. Trocamos uma idéia e fomos até a casa dele, que ele deixou de portas abertas para caírmos por lá se quisessemos. Mas o restante do pessoal estava com outra idéia: acampar debaixo da pedra e dar uma treinada, testar algumas coisas para a “trip” deles para o Frey em fevereiro.

O papo foi rápido e já estávamos de volta na pedra. Começamos pelo boulder principal, onde o Denn apresentou a Grampeleta 6sup e a Invasão de Privacidade 7b. Mario entrou primeiro na Grampeleta e quase manda à vista, mas o finalzinho pareceu complicado de decifrar a passada e ele acabou caindo. Dei um pega em seguida, e também fiquei no mesmo ponto, e já fui me tocando pra o estilão de Serra: regletes, regletes, regletes; pequenos e machuquentos, mas ainda assim fantásticos de escalar.

Enquanto eu e o Mario malhávamos a Grampeleta, o Damito e o Minhoka entravam na Invasão. Via linda. Saída em um boulder na parte interna da pedra, com agarrões meio abaulados, pra depois virar na aresta, trabalhar uma fendinha, e fazer um dinâmico pra chegar no final. Minhoka foi muito bem na primeira entrada, mas não conseguiu ficar na agarra do final. Damito também foi bem, mas nem chegou a tentar o dinâmico.

Nas tentativas na Grampeleta acabei tomando um susto. Estava na minha segunda tentativa, ficando no crux de novo, e mandei com uma queda. Quando fui descer de “balde” o Damito chamou a atenção para o mosquetão que estava na parada, que ele achava que estava fazendo alavanca contra a pedra. Verifiquei e constatei que estava tudo bem, não tinha perigo. Mas quando eu desci um metro, algo desprendeu lá em cima e eu senti o frio na barriga de uma queda inesperada. Fiquei na costura de baixo, mas sem ningúem entender o que tinha acontecido. Verificando tudo, chegamos na conclusão de que de alguma forma, a costura desclipou do grampo da parada, talvez por ter girado. Dei sorte! Se tivesse descido mais um metro antes dela desclipar eu teria ido no chão, e provavelmente teria de ficar de molho o resto da trip. Mas ficou o toque pra se ligar mais.

Deixamos o boulder principal e fomos para a Serra propriamente dita. Resolvemos entrar numas tradicionais tranquilas pra fechar o dia e se adaptar um pouco mais à rocha. Ficamos eu, Damito e Minhoka na Gênesis, e Mario e Denn na via ao lado, Malu de Andrade. Damito guiou a nossa cordada, com o vento castigando a rocha, agora na sombra. Perfeito pra escalar.

Chegamos no cume e o Denn aproveitou pra mostrar uma via em um bloco lá em cima, a Prodígios 7c. De novo a regleteira nervosa e bem técnica. Demos alguns pegas e descemos pela trilha até a base. Voltamos para a casa do Denn pra tirar o “grude” do corpo e voltamos para o boulder principal pra montar acampamento e comer alguma coisa, mas sem antes deixar de conhecer a noite local, com uma visita a casa de shows Acapulco. O som não era lá muito do meu agrado, e o Denn também achou que o movimento tava fraco. Tomamos algumas e voltamos, deixando combinado que o dia seguinte começava cedo, pra escalar antes do sol esquentar muito.

Acordamos antes das 6, com o Denn já chegando e fazendo piada. Ajeitamos as coisas o mais rápido que deu e tomamos o rumo de um setor de esportiva. Ficamos com dois (supostos) 7a: Ressureição do Stick e Quebra Queixo. Minhoka tomou logo um espanco da Ressureição do Stick e duvidou logo que fosse 7a. Eu entrei pra conferir em seguida e realmente o negócio era pesado pra um 7a, na minha modesta opinião. Regletes muito pequeno e bastante afiados com pés que não eram lá grandes coisas. Sair da segunda pra terceira chapa era uma luta. Isolei o lance e mandei o resto da via com uma queda, mas foi o suficiente pra deixar meus dedos queimando. Enquanto isso na Quebra Queixo, o Mario lutou bastante mas não conseguiu mandar a via. Já o Damito, que está cada dia mais monstro, encadenou a via na primeira entrada.

Tentei dar um segundo pega na Stick e tentar a cadena, mas descobri cedo que tinha exagerado na primeira entrada e meus dedos não davam mais conta de ficar nos regletes. Parei por ali e fiquei assistindo o Denn e o Damito tentarem a saída de um projeto. Damito desistiu logo e o Denn entrou em seguida. Depois disso só lembro de estar olhando pro chão e quando levantei a vista lá estava o Denn de ponta a cabeça, com o pé enroscado na forquilha de uma árvore ao lado da rocha. Pense numa queda desmantelada! Mas ficou tudo bem já que ele foi salvo pela evolução do movimento inventado pelo Damito, o Toe-hook invertido. Infelizmente não tenho fotos desse momento. Descemos pro boulder e tiramos o resto da manhã de folga.

Voltamos para a rocha por volta das 3 da tarde para mais algumas tradicionais. Entrei de novo com Minhoka e Damito, dessa vez na Los Manos, e resolvi guiar a primeira enfiada, que era bem tranquila. Apesar de estarmos em 3 na cordada, completamos a via rápido, com o Minhoka ligando o turbo subindo de terceiro. Já Mario foi com o Denn na Diamante de Mendigo, bonita linha com um diedro em móvel no começo.

Descemos de novo pela trilha, e dessa vez o Minhoka e o Damito ficaram pra tentar a Diamante, e eu, Mario e Denn descemos para outro setor. Lá, por sugestão do Denn, entramos na Quinto Elemento, outro (suposto) 7a. Mario entrou primeiro e teve que fazer força pra desvendar algumas passadas, mas não conseguiu completar a via. Entrei depois e senti o drama. A via é forte. Baseado no que já escalei por ai, achei mais forte que 7a. Mas a via é fantástica. Com certeza a melhor via que entrei na trip. Bem constante, com uma variação de movimentos e agarras muito legais. Hora você está regletando, hora usando agarras de lado, pegas por baixo, e dançando de uma lado pra o outro na parede pra encontrar a melhor posição pra cada mov. Realmente uma via clássica!

Enquanto eu estava escalando a via, o Menger chegou, acompanhado da filhinha dele, que já mostrou que tem sangue de escaladora correndo nas veias, brincando numa aderenciazinha com o Denn e pedindo por “gaguinésio”. Tem futuro! Mas foi o pai dela quem mostrou como é que se escala. Entrou na Quinto Elemento e passeou na via. Escalada fluida e sólida. Fiquei só embaixo aprendendo um pouco. Quando desceu ele confirmou que um 7b pra via realmente não seria exagero e eu concordei com ele.

Finalizamos o dia, e recebemos o convite para um churrasco na casa do Menger, que comprou carne pra um batalhão. Mas já descobrimos como é o esquema de Serra. Um churrasco de noite é praticamente um convite pro almoço do dia seguinte, né não Denn?

Terceiro dia começou preguiçoso. Todo mundo sem muito gás pra muito coisa. Resolvemos ficar em algumas vias em “toprope” na parte de trás do boulder principal. Brincamos ali por um pedaço em duas vias até ficar quente demais até pra piscar, quanto mais escalar. Hora da habitual sesta de Serra! À tarde voltamos para a pedra. Eu e o Mario ficamos com a Desvio de Conduta, via de 3 cordadas, a mais longa de Serra Caiada. Primeira cordada era um VI/VIsup, de uns 40 metros, que o Mario guiou e cansou pra chegar lá em cima. Eu também não tive sossego indo de segundo. A segunda enfiada ficou comigo. Uns 30 metros, com um IVsup na saída da parada, com um lacão meio suspeito. Resolvi usar o bicho e foi ele quem me salvou, quando uma agarra de pé quebrou. Passei e segui o restante, que era um rampão com apenas uma chapa no meio do caminho até a parada. Subi o Mario e ele guiou a ultima enfiada! Pausa pra curtir o visual lá de cima, tirar algumas fotos e voltar pela trilha.

Chegamos no boulder principal e resolvemos dar uns pegas na Invasão, que ainda estava equipada e nenhum de nós dois tinha entrado ainda. Mario foi na frente, fez o primeiro trecho bem, mas depois de 3 dias de escalada não tinha mais força pra se puxar nos regletes e fazer o dinâmico final. Entrei em seguida e também passei bem o primeiro lance. Mas eu tinha menos braço ainda e nem conseguir ficar nos regletes eu consegui. Pedi pra descer e deixei o trabalho de desequipar pro Minhoka, que tava acabando de chegar com o Damito. Ele entrou muito bem, e apesar do cansaço quase encadena a via. Acabou mandando com uma queda, e estourando o dedo no processo.

Finalizamos mais um dia de escalada, e arrumamos as coisas para o bônus da trip, uma chegada até a Pedra da Boca. Saímos ainda de noite e chegamos lá por volta das 20hs, à tempo de ver um treinamento de policiais militares no melhor estilo tropa de elite. Comemos algumas coisa, tomamos um banho e fomos dormir, pra acordar cedo, escalar rápido e voltar pra Fortaleza.

Acordamos antes das 6 de novo, o sol nascendo, e arrumamos as coisas pra escalar sob o olhar do pessoal em treinamento. O amigo do Denn, Stenio, tinha chegado também pra se juntar à gente nessa manhã de escalada. O setor escolhido foi o dos Estilos, na Pedra do Carneiro. Três vias para três duplas. Perfeito! Mario e Damito se juntaram na Estilo Agressivo. Stenio e Denn ficaram com a estilosa. E eu e o Minhoka ficamos com a Estilo Calmo.

Eu entrei guiando a primeira enfiada, e suando frio nos cristaizinhos estilo Quixadá. Preciso de outras trips por lá pra me acostumar mais com essa escalada mais delicada e tensa de Quixadá e da Boca. Mas ainda assim mandei a enfiada sem problemas, e fiz a seg pro Minhoka até a parada. Dali foi a vez dele de guiar, uma chaminé! Achei melhor ele ir, por que eu nunca tinha feito chaminé na vida, e não me senti seguro. Ele mandou muito bem, e em menos de 10 minutos já estava no cume. Lá fui eu em seguida, relembrar meus dias de moleque quando eu subia até o teto no corredor da escada do prédio onde eu morava. Fiquei um pouco tenso, mas fui pegando o jeito e cheguei sem problemas lá em cima. Missão cumprida. Hora de esperar os outros e descer.

Na descida, Denn e Stenio foram nos mostrar um setor de boulder. Mais especificamente um boulder de agarras perfeitas, quase um teto. Não teve como dizer não, mesmo com os braços não servindo pra quase nada. Dei um primeiro pega e fui até a metade do danado. Minhoka entrou e quase manda de flash e o Damito também. Ai me instiguei mais ainda e dei outro pega e dessa vez fui quase até o final, mais umas 3 agarras e tava acabado o boulder. Muito legal!

O Denn disse que tava sem base de grau de boulder, mas que achava que ficava na faixa do V6. Eu como também estou sem base, não consegui dizer muito, mas levando em consideração que estávamos à quatro dias escalando, e que quase mandamos o boulder em poucas tentativas, acho que deve ficar mais pra V4, no máximo V5. Se for isso mesmo, os treinos realmente estão fazendo efeito.

Voltamos pro abrigo, tomamos um café da manhã reforçado e pegamos a estrada de volta, olhando as pedras que ficavam pra trás no caminho e já imaginando a próxima trip. À galera do Rio Grande do Norte, o Ceará tá de portas abertas. Só chegar por aqui que pedra e companhia pra escalar não vai faltar! Obrigado por tudo!

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