Resenha: Reel Rock 8

Esse ano infelizmente não pude ir assistir a uma das apresentações do Reel Rock, que aconteceram em São Paulo e no Rio de Janeiro. Assim sendo, tive que aguardar até que o download dos filmes desse ano estivessem disponíveis (e o meu cartão de crédito fechar a fatura) para poder acompanhar a nova edição. E tenho que dizer que mais uma vez não me decepcionei. Com certeza hoje o Reel Rock reúne alguns dos melhores filmes de escalada produzidos, e vem mostrando acertado o caminho tomado pela Big Up e a Sender Films, de produzir filmes mais curtos, onde a história realmente é a base de tudo.

Na edição que está disponível para comprar em HD, vemos logo de cara que um dos filmes da mostra ficou de fora, que é o Stonemasters, sobre as gerações de escaladores do Yosemite. Pelo jeito o filme vai participar em alguns festivais ainda e não pode ser incluído. Uma pena. Mas os três outros que ficaram com certeza ainda valem o dinheiro pago, e já estaria de  bom tamanho mesmo sem a  inclusão de um presentinho dos produtores. Nos extras temos a versão completa de La Dura Dura, retomando a história do filme do ano passado, e incluindo as cadenas de Adam Ondra e Chris Sharma, no que pode ser a via mais difícil do mundo.

Yuji Hirayama em The Sensei
Yuji Hirayama em The Sensei

O primeiro filme do pacote principal do Reel Rock é o ótimo The Sensei, com Yuji Hirayama e Daniel Woods. A dupla, aparentemente muito dispare para estar no mesmo filme, se mostrou muito bem selecionada. A experiência e sabedoria de Yuji casou muito bem com a energia e a juventude de Daniel Woods, e rendeu uma bela história.

De início somos apresentados a Yuji, uma lenda viva da escalada mundial, que do alto dos seus 43 anos ainda busca um último desafio: uma linha jamais escalada no Monte Kinabalu em Borneo. Para ajudá-lo na tarefa, Yuji recruta Daniel, que ele enxerga como alguém com grande potencial. E como nos filmes de artes marciais, o jovem aprendiz passa por uma série de “testes” antes de realmente receber o convite para a expedição. Um dos testes é o boulder Hydrangea V15, que exibe uma verdadeira aula de como se filmar e editar uma cadena de boulder.

Com a parceria formada, a dupla segue para Borneo acompanhados de James Pearson e Caroline Ciavaldini. Enquanto Yuji volta para seu projeto, Daniel busca se adaptar a esse novo ambiente. Mais acostumado ao estilo leve de preocupações da prática do boulder, Daniel paga o preço do despreparo, mas é muito interessante de ver como ele ainda consegue se manter centrado e aproveitar a experiência. E talvez seja essa a parte mais interessante da história de The Sensei, Daniel Woods explorando e ampliando suas habilidades, conquistando vias, travando de medo em ficar pendurado numa corda, saindo da zona de conforto de ser o melhor boulderista da atualidade para tentar se tornar um escalador mais completo, com uma ajudinha do Sensei Yuji.

Hazel Findlay em Spice Girl
Hazel Findlay em Spice Girl

De Borneo o próximo filme nos leva para o Reino Unido, terra da cena de escalada mais “hard core” do mundo. Uma cena de escalada que é descrita como algo para quem tem “culhões”. E o fantástico do filme é ver que o protaganista é na verdade uma mulher, a escaladora Hazel Findlay, a nossa Spice Girl do título.

Se você ainda não conhecia Hazel, que já apareceu em alguns vídeos por ai, com certeza vai ficar com queixo caído com o que essa baixinha, loirinha, de vozinha aguda, consegue fazer. Num território dominado por homens, ela encara as assustadoras vias tradicionais inglesas com uma calma e controle mental de fazer inveja a qualquer marmanjo por ai.

Acompanhamos um pouco a história dela, de como começou a escalar, ainda bastante criança, com o pai, e o quanto isso formou sua mentalidade de escaladora. A filosofia dela é: “biologicamente nunca seremos mais fortes que os homens (…) mas não há razão para não sermos tão destemidas quanto, ou tão mentalmente fortes quanto os homens”. E ela leva isso à risca, se tornando a primeira mulher a escalar uma via de graduação E9. E aqui é só assistindo pra saber o que significa um E9.

Mas não contente em escalar muito na Inglaterra, no filme Hazel ainda leva suas habilidades para longe e resolve encarar uma grande parede no Marrocos, acompanhada da escaladora esportiva Emily Harrington e fazendo uma ascensão “ground up” com direito a bastante perrengue. Bela inspiração pra mulherada (e pro macharal também).

Ueli Steck e Simone Moro em High Tension
Ueli Steck e Simone Moro em High Tension

O terceiro filme do pacote principal é o High Tension, que conta a história do incidente envolvendo Simone Moro e Ueli Steck no Everest. Para quem estava desligado do mundo, esse ano Ueli e Simone quase foram linchados no Everest por um grupo enfurecido de sherpas, que acharam que eles desrespeitaram o grupo e as regras do Everest. O caso aconteceu durante uma tentativa de Ueli e Simone de fazer os dois cumes, Everest e Lhotse, em um mesmo ataque. Fazer cume no Everest, descer pelo colo sul e seguir de lá direto para o Lohtse sem retornar ao acampamento.

High Tension cobre os acontecimentos de forma bastante imparcial, sem se decidir muito sobre se Ueli e Simone estavam certos ou errados. Apesar da tensão no acampamento, algumas cenas ainda foram feitas da agressão por parte dos sherpas. Vemos Simone levar um belo tapa, chutes, e acompanhamos com ansiedade os sherpas arremessarem pedras contra a tenda onde Ueli está.

Além da situação em si, o filme leva um tempo também em mostrar a situação atual do Everest, tomado pelas expedições comerciais (a fila indiana com mais de 50 pessoas presas a uma corda Everest acima é de assustar), e como é a logística desse tipo de expedição. Com isso o filme meio que se coloca do lado de Ueli e Simone e atiça a discussão: existe espaço no Everest para escaladas independentes e ousadas?

Mas com certeza, a cereja do bolo do Reel Rock não está no filme principal, e sim nos extras. Em La Dura Complete, nós voltamos a Oliana e acompanhamos os esforços de Adam Ondra e Chris Sharma na La Dura Dura. Boa parte é quase uma reprise do filme do ano passado, com alguns novos depoimentos por parte dos dois escaladores, mas o final guarda o registro das duas cadenas, apresentadas quase sem cortes. Aqui é possível sentir toda a dificuldade da via, e analisar bem a diferença de estilo entre os dois escaladores. Ondra, apesar de magro, parece incorporar mais o estilo da “força bruta”. A afirmação do filme anterior, de que ele sobe como um foguete, fica clara na cadena, onde praticamente voa os primeiros lances até o primeiro crux. É impressionante a velocidade com que ele escalada. Já Sharma, parece muito mais compassado, usando mais de técnica para se posicionar bem e ficar nas agarras do necessariamente vigor físico. E é emocionante ver o final da cadena para os dois, duas emoções diferentes mas baseadas na mesma paixão. Realmente fantástico. Um registro para se assistir infinitas vezes.

O único senão do pacote do Reel Rock 8, foi a “enchida de linguiça” nos extras, com filmes que já puderem ser vistos gratuitamente na internet, caso dos dois boulders de V16 de Ondra, e o New Vision com Ueli Steck. Mas mesmo com essa pisada de bola, o Reel Rock 8 vale muito a pena (assim com valeram os anteriores) e é item indispensável na videoteca de qualquer escalador! Ficou com as mão suando? Então assista o trailer!

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