Trips de escalada de fim de ano
Desde que eu comecei a escalar eu nunca passei um final de ano escalando. Dessa vez eu resolvi dedicar o recesso de Natal e Ano Novo para a escalada e acabei fazendo duas trips de fim de ano, visitando 3 picos de escalada aqui no Ceará e na Paraíba. A primeira parada foi logo depois do Natal, quando fui mais uma vez para Tejuçuoca. A segunda foi a trip da virada, e passei pela Pedra da Boca e por Algodão de Jandaíra.
A ida para Tejuçuoca foi motivada pela vinda da amiga da Paraíba, Janine Falcão. Já havia combinado com ela que iríamos para lá no dia 26 de Dezembro. Saí com a Tati, minha namorada, cedinho para pegar a Janine na rodoviária e pegarmos a estrada para Teju. Chegamos no pico por volta das 10 da manhã, e encontramos com os amigos Micael, Flora e Erika, que já haviam chegado no dia anterior. O clima estava perfeito, céu nublado mas sem chuva, dando uma aplacada no calor e permitindo escalar em setores que normalmente ficam no sol à tarde.
Começamos por algumas vias no setor do Lopes, onde montei um top rope na Bode Grill, depois equipei a Anti-horário 6sup para a Janine entrar, e ainda convenci a Tati a tentar um pouco de top. Depois mudamos para o Portal, uma furna sempre na sombra, com as vias mais recentes do local. Lá entramos na Cuidado com esse Machado 5sup e aproveitei para clipar a primeira costura da Goodbye Blue Friend, um 7a com saída negativa bem bonita.
O segundo dia começou pelo Portal, onde equipei a Goodbye Blue Friend para a Janine tentar, e a Tati e o pessoal ficaram escalando a Machado de top. A tarde foi reservado para o setor dos Tetos, onde a Janine queria tentar mais uma vez a Minha Primeira Vez 7b. Consegui de novo convencer a Tati a entrar também nela de top rope, e ela foi muito bem, chegando até o lance do crux. Micael também pilhou e acabou dando um peguinha. Depois do segundo pega da Janine na via ouvimos o zumbido alto de abelhas e percebemos a nuvem do enxame acima da gente. Guardamos as coisas e saímos de fininho. Com abelha não se brinca.
Voltamos para o Lopes onde entrei na Aqui só lá em Bagdá, um sexto grau chatinho com uma chaminé machuquenta no final. Terminei a via e puxei a Tati de segundo. Rapelamos e depois Janine e Micael fizeram o mesmo. Depois de escalar subimos para o topo do afloramento de calcário e ficamos contemplando o pôr-do-sol.
O domingo foi curto, já que queríamos sair cedo de volta para Fortaleza. Ficamos somente no Lopes e Portal, e por volta do meio dia, quando estávamos nos preparando para terminar a escalada, a chuva chegou, indicando que era a hora certa mesmo de ir embora.
Nos despedimos do Seu Deuzim e da Dona Tetê, e pegamos a estrada de volta. A segunda seria de trabalho para a Tati, e a Janine voltaria de ônibus para João Pessoa no final do dia. Na terça, eu e a Tati pegaríamos a estrada para a Pedra da Boca.
Saímos na terça por volta do meio dia, depois de resolver as últimas pendências. A estrada boa garantiu uma viagem bem tranquila, mas marcada pela experiência bem bacana de avistar uma imensa Cumulus Nimbus no horizonte, e acabar indo parar bem embaixo dela, e da tempestade que ela criava.
Chegamos na Pedra da Boca por volta das oito da noite, e encontramos por lá o Wolgrand, paraibano velho conhecido de outras trips de escalada, e figura ímpar da escalada nordestina. Junto com ele o Brito do Rio Grande do Norte, e o francês Manu. Jantamos, batemos um papo, e armamos nossa rede nos preparando para dormir e ver o que o dia seguinte ia nos reservar.
Acordamos e resolvemos aguardar a chegada da Janine, que estava programada para chegar às 8 da manhã. Para esperar por ela resolvemos fazer a trilha até a boca na pedra que batiza o parque. Tivemos a companhia do casal Rafael e Rose, ele venezuelano e ela potiguar, ambos morando em João Pessoa. Trilha tranquila até o rasgo na pedra, para ter uma vista privilegiada do parque. Lá de cima vimos carros se aproximado e resolvemos descer.
Quando chegamos lá embaixo, nem sinal da Janine. Esperamos um pouco mais e ela aparece, já equipada. Tinha chegado e ido escalar sem nós, acompanhada da Lais e Kalyne. Aproveitamos para comer algo e pegamos os equipos. Fomos para a parede na sombra na Pedra da Boca, e lá entramos na Lamprinha, um quinto grau, e na primeira enfiada da Pangaré, um quinto grau. A Tati entrou primeiro na Lamprinha de top rope, e depois decidiu guiar. Eu fiquei um tanto apreensivo, porque ela não estava acostumada com os cristais da Boca, e as proteções eram um pouco longe umas das outras, ou seja, não era o cenário ideal para uma primeira guiada dela no pico. Mas eu resolvi não tolher a decisão dela, já que ela se sentiu bem para guiar. Ela foi, e escalando com calma, encadenou a via, e trocou a minha apreensão dando a seg, por orgulho.
Fechados os trabalhos do dia, fomos tomar uma cervejas e nos preparar para a virada, e o prometido churrasco de Ano Novo do Seu Tico. Mais gente apareceu para a festa, e foi bem legal até umas 10 da noite, quando todos começaram a ir embora, e o Seu Tico apagou as luzes. Uma galera resolveu esperar a virada no cume da Pedra da Caveira, e nós resolvemos ficar no restaurante esperando meia noite. Para passar o tempo, Uno! Jogamos várias partidas, até a hora da virada, que interrompeu a partida de Uno mais longa de 2014, justo quanto ninguém aguentava mais! 2015 tinha chegado, agora era hora de dormir pra escalar de manhã.
Acordamos cedo, mas esperamos o café sair para irmos escalar. Alimentados, fomos para o setor onde o Wolgrand estava abrindo uma nova via com o Brito. Por lá escalamos uma via nova. Essa a Tati não quis guiar, já que quando a Lais entrou guiando, vários cristais quebraram, e ela ficou insegura. Escolheu bem não arriscar, na minha opinião. De lá fomos para a Pedra do Carneiro, na sombra, onde todo mundo bodou, e só eu acabei entrando na Amante, um 6sup bem constante e longo. Bombei na penúltima costura, e perdi a cadena à vista. Desci dali mesmo, e voltamos para o almoço.
Nesse dia a Boca estava lotada de visitantes, e o restaurante estava lotado. Comemos, jogamos mais umas partidas de Uno, e tocamos para a Pedra da Caveira, para fazer o cume pela primeira enfiada da Casa do Fantasma e a segunda enfiada da Sulu Zigmo. Se juntaram a nós o Romerito do Rio Grande do Norte, que formou dupla com a Janine, e o Hugo, de Pernambuco, que fechou a acordada com a Lais. Escalada tranquila, só complicada pela corda meio presa num bico de pedra, que me garantiu um belo arrasto, e momentos um pouco tensos no final. Mas deu tudo certo e finalizamos a tempo de ver o pôr-do-sol.
Na sexta arrumamos os carros, e nos preparamos para pegar a estrada rumo a Algodão de Jandaíra, pico que conheci em 2013 durante o EENe. O planejado era irmos apenas nós, a Janine e a Lais, mas no final ganhamos a companhia de Wolgrand, Brito e Hugo. Ia ser mais legal que o esperado! Pegamos a estrada, e à medida que nos aproximávamos percebemos que a sexta tinha cara de ser de descanso forçado. Não deu outra. Chegamos em Algodão debaixo de chuva.
Pra piorar, a escolinha que serviria de abrigo estava fechada, e não tinhamos como pegar a chave. Mas acabamos conseguindo ficar na casa da Dona Marlene, bem em frente à Pedra da Serrinha. Foi o jeito arranjar o que fazer pra passar o tempo, e a escolha foi o baralho. A noite chegou fria, e fomos dormir cedo para escalar ainda com o sol não tão quente da manhã.
Começamos o dia pela Pedra do Caboclo. Escolhi uma velha conhecida, a Mar de Agarras, para fazer com a Tati. A Lais e o Hugo pegaram a João Grandão, enquanto a Janine, Wolgrand e Brito ficaram malhando uns sétimos. Entrei guiando e passei sem dificuldades do crux que me deu trabalho no EENe. Na época o psicológico estava fraco, depois de uns meses praticamente sem escalar, lesionado.
Ainda na primeira enfiada, a escalada que parecia que ia ser tranquila, ganhou emoção, com a presença de uma grande águia chilena que tem ninho na pedra. Ela começou a sobrevoar a gente, e me deixou apreensivo. Continuei subindo, em silêncio, deixando para fazer os lances quando ela se afastava mais. Cheguei na primeira parada e puxei a Tati, que preferiu não guiar a segunda enfiada. Continuei pra cima e a águia voltou. Cheguei no cume e quando estava me preparando para recolher a corda, o susto. A águia deu um rasante e tirou fino de mim. Deu pra sentir o vento dela passando perto. Me abaixei e aguardei. Ela deu meia volta, mirou em mim, e mergulhou de novo. Dessa vez passou mais longe, mas ela se preparou e veio de novo. Mais um rasante, parecido com o segundo. Mais uma volta, mas dessa vez o rasante foi na Tati. Ela ainda deu um outro rasante na Lais e no Hugo, e depois foi se empoleirar no topo da pedra. Fiquei olhando de longe e aproveitei pra recolher a corda e puxar a Tati. Montamos o rapel rapidinho e descemos. Não queria aguardar pra levar mais um rasante da bendita.
Depois de terminar a via, com o sol já bastante quente, o Hugo convidou para irmos conferir a “caverninha”, onde antes era um cemitério indígena. A subida era fácil e acabei fazendo de botas mesmo, mas acabei levando a corda para puxar a Tati e a Lais pra cima. A Lais acabou desistindo, e só a Tati e o Hugo subiram. Lá em cima, alguns poucos restos de ossos humanos (consegui identificar uma falange), e horríveis pinturas feitas por mal educados. Passamos pouco tempo e descemos, para encontrar mais gente na pedra. Tinham chegado o Fabrício e o Stenio, amigos do climb de outras viagens, e uma galera do Rio que está morando em João Pessoa. Cumprimentamos todo mundo e voltamos pra casa, comer algo, e esperar a sombra entrar na Pedra da Cabeça.
Por volta de duas da tarde chegamos na Pedra da Cabeça, o melhor setor de Algodão na minha opinião. Cheguei e “esquentei” entrando na Pipoqueira, um sexto atlético, como disseram. Entrei à vista e equipando, e nossa, como bombei. Cheguei na parada sem braços e quase perco a cadena. Depois disso fui descansar os braços e fui com a Tati no climatizado, onde o Hugo e a Lais já estavam. Fiquei por lá com eles até os braços voltarem ao normal.
Era hora de dar um pega na Cão e Gato, um lindo 7b de resista, com quase 30 metros de extensão. Entrei já fazendo força, e na altura do crux, entre a 5 e a 6 chapa, os braços já estavam meio bombados. Li a sequência correta e quase passo o crux à vista. Mas faltou um pouquinho de braço e eu acabei vacando. Voltei pra via, e passei o crux na segunda tentativa, mas o resto da via me cansou de novo, e fui continuando de chapa em chapa, equipando o restante. Desci completamente bombado e fui descansar de novo. Voltei no climatizado bem a tempo de ver a Tati tomar sua primeira vaca, guiando a Mata o Véi, um 5sup. Logo depois ela voltou pro lance e conseguiu fechar a via com uma queda. Orgulho de novo!
Para fechar o dia, resolvemos escalar uma via fácil na Serrinha, atrás da casa onde estávamos. Duas cordadas: uma de três com Brito, Janine e Lais, e outra comigo e a Tati. Na minha vez, escalei rápido para terminar antes da luz ir embora, e puxei logo a Tati. Pegamos o sol indo embora, e descemos no escuro, nos despedindo muito bem de Algodão, já que o domingo ia ser de estrada.
Saímos cedo de Algodão, nos despedimos dos velhos e dos novos amigos, e pegamos a estrada. Café da manhã em Barra de Santa Rosa, almoço em Canoa Quebrada, e por volta das 18h da tarde estávamos em Fortaleza. Fim de mais uma trip, a primeira grande com a Tati, e foi tudo ótimo. Espero repetir mais vezes em outros picos!