Trip Minas 2016: Antão, Lapinha, Rod e Serra do Cipó

Aqui estou eu, de volta de mais uma “trip” de escalada. Escrevendo “mais uma” assim, até parece que saio em “trips” de escalada com muita frequência, mas na verdade, já fazia um bom tempo que não fazia uma “trip” longa assim. O destino também fazia tempo que eu não visitava: Serra do Cipó, mas com paradas rápidas no Antão, Lapinha e Sítio do Rod. Desses, só a Lapinha eu ainda não conhecia.

A “trip” começou no feriado do dia 26, chegando em Cofins no início da manhã. Fiquei por lá esperando a Janine Falcão, que vinha de João Pessoa, e quando ela chegou, ficamos esperando nossa carona para Lagoa Santa, o amigo dela do Rio de Janeiro, Alexandre Mendes. A carona chegou por volta das 14h, com mais um integrante carioca da “trip”, o Hamilton. Rumamos para Lagoa Santa e encontramos mais uma parte da trupe: Alex, Monike, Camila e Igor. Fizemos nossas compras e seguimos para o abrigo. Nos acomodamos e esperamos pelos últimos dois integrantes da turma: David e Ulisses, que chegaram no começo da noite. Dessa galera toda eu só conhecia mesmo a Janine. Da galera do Rio, não conhecia ninguém.

Lapa do Antão

Entrando na Cada um no Seu Quadrado na Lapa do Antão
Entrando na Cada um no Seu Quadrado na Lapa do Antão

O primeiro dia foi na Lapa do Antão, local que eu já havia visitado em 2012, numa passagem rápida. Cheguei lá sem nenhuma via em mente, apenas escalar. Nos acomodamos no setor da Pracinha, com boas vias acessíveis e começamos os trabalhos. Escalei a Cada um no seu quadrado 6º, equipada anteriormente pela Janine, e parti em seguida para a Vibe das Maritacas 7a, que equipei à vista sem muitos problemas. Enquanto o restante da galera se divertia nos quartos e quintos, eu e a Janine partimos para o 7b da via Viaduto da Floresta, que pareceu bem factível. Mas foi só chegar no crux pra ver o negócio não ia ser tão fácil assim. Tentei algumas vezes mas não consegui achar o beta. Janine também. Ela desistiu de tentar, e enquanto arrumava as coisas para mudar de setor, meteu a testa num bico de pedra e ganhou a primeira medalha da “trip”. Rolou uma preocupação geral, mas não foi nada demais. Entrei mais uma vez na via e consegui desvendar o crux, um lance bem dinâmico, com pé alto, pra uma agarra de oposição. Não consegui encaixar e acabei desequipando e indo para outro setor: o crepúsculo. Fiquei de boa escalando os sextos e quintos, e até me animei de entrar em outro 7a, mas acabou ficando pra uma próxima.

Voltamos para o abrigo, preparamos um rango e nos metemos no quarto, que seria palco de várias histórias e risadas nesses primeiros dias das “trip”. Mas essas ficam somente para as testemunhas oculares.

Lapinha

Galera reunida no final do dia na Lapinha
Galera reunida no final do dia na Lapinha

Acordamos no dia seguinte numa manhã fria, e nos ajeitamos para conhecer a Lapinha. Galera toda na vibe, e depois de uma leve desorientação inicial, começamos os trabalhos no setor sala de aula. Eu e a Janine partimos logo para os sextos. Fizemos a Coquetel de Maracujá 4º para esquentar, e depois entramos na sequência na Ravenloft 6º, Los Cubanos 6º sup, e finalmente na Fogo no Rabo, um 6º sup com cara de 7a, que eu equipei e mandei na segunda entrada. Como a Lapinha tem horário de funcionamento e fecha às 17h, não deu pra aproveitar tanto, mas curti o estilo das vias do local, com várias viradinhas de teto para vencer. No caminho para o abrigo paramos para comer, e tomar uma cervejinha, porque ninguém é de ferro. A noite chegou fria e pra animar o David e o Ulisses resolveram tirar um som, e iniciaram uma jam, a qual me juntei tocando a gaita, e acabou nascendo a primeira versão do “Blues da Trip”, um improviso bem bacana do David, e que foi sendo incrementado em outras noites da viagem.

Sítio do Rod

Na Tapa na Aranha 7a
Na Tapa na Aranha 7a

O destino do dia seguinte era o Sítio do Rod, mas que acabaria sendo apenas até o meio dia, já que parte da trupe: Alex, Monike, Camila e Hamilton; voltaria pro Rio, enquanto o resto continuaria para o Cipó. Chegamos lá por volta das 9h, e já havia gente no pico escalando. Lá no Rod mandei equipando A Troca 6ºSup, via que tinha me derrubado na primeira “trip” para Minas em 2009. Entrei em outras coisas mais fáceis, e fechei meu dia mandando a Tapa na Aranha 7a, via que também fiquei devendo na vez anterior, e que estava lá, praticamente toda equipada me esperando. Fiquei na pilha de tentar entrar na Gaibous in the Laibous 7b, mas acabou ficando para uma próxima. O dia de escalada findou ai, e nos despedimos dos amigos que não continuariam na “trip”. Na manhã seguinte o destino era a Serra do Cipó.

Serra do Cipó

Dia de descanso no Rio Cipó
Dia de descanso no Rio Cipó

Chegamos na Serra do Cipó por volta das 10h da manhã, e resolvemos tirar o dia para descanso. Esperamos a Renata Terzi, nossa anfitriã, chegar e partimos para o Pedrão, dar uns mergulhos no Rio Cipó. Embora fosse pra ser dia de descanso, ninguém resistiu a tentar um psicobloc,  mesmo sem sapatilhas. Isso pra mim iria se mostrar uma péssima ideia. Mas chegamos nisso depois.

A terça chegou com gostinho de “climb”. Foi realmente emocionante fazer a trilha para o G3 mais uma vez depois de 6 anos. E acho que não só pra mim, porque todo mundo ficou em silêncio absoluto por quase toda a trilha. O setor escolhido para começar a brincadeira foi o da Ninhos. Entrei equipando e deixei um “top rope” montado pra galera. Depois disso resolvi trabalhar de verdade e pedi a seg da Renata na Salsa Punk 7c. Trabalhei e isolei os dois cruxes, fazendo bastante força, mas não consegui equipar a parada. Desci completamente exausto, sentindo uma fadiga muscular que nunca havia experimentado antes. Os antebraços e triceps doíam. Percebi ali que realmente deveria ter descansado de verdade no dia anterior. Parei de escalar por mais de uma hora, e voltei para desequipar a Ninhos e tentar desequipar a Salsa por cima. Foi nesse momento que a Branca Franco apareceu e me salvou. Entrou nas duas, e desequipou a Salsa Punk por mim. Parei pelo resto do dia e considerei a ideia de descansar novamente no dia seguinte, mesmo sem encaixar com o dia de descanso dos demais.

Entrando na Diversão Garantida
Entrando na Diversão Garantida

Na quarta resolvi subir para os setores com todo mundo, e talvez escalar, mas dentro da minha zona de conforto, somente escaladas à vista ou flash. Equipei a Diversão Garantida pra galera, e vi a Janine Falcão mandar a Bárbaros 7a, e voltar com um baita clássico pra casa. Depois disso a Renata me chamou para fazer a segurança dela em duas vias mais longas no Vale Zen, a Avenida Brasil e a Flash Black. Fui, e no final das contas acabei entrando nas duas. E valeu a pena. Escalar sem pensar em grau, somente curtindo a via, os movs e o visual. Meditação em movimento. Com essas duas eu dei por terminado meu dia de escalada, apesar de ainda ter ficado com vontade de ir no Vale da Perseguida e fazer a recomendadíssima Chorreira Musical. Os braços responderam bem, e com o dia seguinte de descanso, eu estaria pronto pra voltar a pegar pesado nos últimos 3 dias.

O dia de descanso foi na Mãe D’Água. Subimos até lá somente eu, Janine, Ulisses e Igor. David foi resolver algo em Lagoa Santa, e Alexandre resolveu ficar em casa. Não lembro se havia ido até a Mãe D’Água antes, mas curti muito e aproveitei bastante o descanso. Dessa vez sem psicobloc! O dia seguinte era de fazer força, e também seria o dia que o Daniel Mamede, meu parceiro de climbing aqui do Ceará, chegaria e o objetivo era apenas um: Ética!

Dia de descanso no topo da Véu de Noiva
Dia de descanso no topo da Véu de Noiva

Na sexta fomos todos ao Vale Zen, e enquanto a Janine entrava nas mais longa que eu havia entrado no dia anterior, eu resolvi dar uns pegas numa linha bonita, um 7b, chamado Olho de Cristal. Entrei equipando e isolei todos os movs, e desci para descansar e tentar a cadena. Entrei achando que ia sair fácil, mas na passada do crux, uma sequência em oposição que não havia me dado problemas no primeiro pega, eu acabei caindo. E cai mal. Me enrosquei com a corda e o resultado não podia ter sido pior: queimadura. Desci xingando, mas não chegava a doer. O que doeu mesmo foi pra limpar e desinfetar a ferida, com uma boa dose de álcool 70. Sabe a expressão “ir no céu e voltar”? Foi mais ou menos por aí.

Tatuagem nova pra marcar a viagem
Tatuagem nova pra marcar a viagem

Com o ocorrido, achei que o dia de escalada estava acabado, talvez até o resto da trip. Mas relaxei e deixei a dor passar um pouco. Nesse meio tempo chega o Daniel no setor, trazendo a chuva. Demos um tempo, e quando a chuva passou, fui até a Ética com ele, só pra olhar. Só que obviamente, não fiquei só olhando. Depois do pega dele para equipar, não resisti e entrei também. E fiquei feliz de ver que a queimadura não ia atrapalhar escalar.

O dia seguinte começamos pelo setor da Melzinho, onde entrei nela novamente para tirar umas fotos da galera, e dei um pega na Sem Compromisso 7a. O lance do crux é bem delicado, de equilíbrio, e com uma queda potencial em pêndulo. Não fiquei confortável por conta do receio de me machucar outra vez, e somente fiz o lance e terminei de equipar, sem voltar para tentar a cadena. De lá fomos para o setor Anfiteatro, onde a Janine e os demais queriam entrar na Jonny Quest. Enquanto ela tentava, o Daniel chegou e voltamos para a Ética. Dei mais 3 pegas nela nesse dia, sempre caindo no início da sequência final, sem força para morder o reglete. Acho que os 9 dias de trip até ali estavam cobrando o preço.

Nossa última noite no Cipó foi de festa, comemorando o aniversário antecipado da Janine. Mas a noite não foi longa, porque no dia seguinte muito cedo, ela, Alexandre e Igor iriam pegar a estrada de volta. Eu ainda ficaria a manhã no Cipó, já que meu vôo era somente no final da tarde. O David e o Ulisses estavam sem pressa e aceitaram me dar uma carona até o aeroporto mais tarde. Isso significava que eu tinha mais uma chance na Ética. Quem sabe fechava a “trip” com chave de ouro e uma cadena?

Na primeira parte da Ética Decomposta
Na primeira parte da Ética Decomposta

Cheguei cedo na Sala de Justiça e fiquei na espera do Daniel, que agora já viria acompanhado do André Dantas, outro amigo do Ceará que havia chegado no dia anterior. Pedi a permissão para dar o primeiro pega, e cai exatamente no mesmo ponto, mas senti que melhorei um pouco a sequência e botei na cabeça que o último pega eu iria colocar tudo que eu tinha e não ia soltar o maldito reglete. Daniel entrou, sem conseguir a cadena. Logo depois o André fez a Injustiça Social, e chegou a hora. Eram 11h40, e eu havia combinado com o David e Ulisses 12h30 em frente à porteira da trilha. Só dava pra mais um pega! Entrei e fiz a primeira parte bem, sem errar nada e usei o descanso até me sentir completamente recuperado. Daí entrei na segunda parte, sem parar, sem hesitar, sem errar nada. No agarrão antes do lance final, estava já um pouco cansado, mas dei duas chacoalhadas em cada braço e parti. Mordi o reglete e travei. Era para subir o calcanhar, mas só foi a ponta do pé, mas mesmo assim continuei. Segurei a agarra de esquerda e me ajeitei para ir para a próxima. Segurei já gritando e vendo o agarrão bem próximo. Me preparei para o rebote com o gostinho de cadena no ar. Me joguei mas não alcancei o agarrão. Caí no último mov, do último pega, do último dia de escalada. Pode parecer frustrante, mas não foi o que senti. Fiquei com a sensação de dever cumprido. Dei tudo que eu podia dar na via, e dessa vez não saiu. O importante foi que tentei e não desisti até realmente não dar mais, o que acabou sendo um final de “trip” quase tão bom quanto a cadena.

Desci, me despedi de todos e voltei sozinho pela trilha. Me despedindo daquele lugar fantástico e já deixando a promessa de voltar no ano que vem. Afinal de contas, Serra do Cipó é a Meca da escalada esportiva no Brasil, e como diz o Daniel, a peregrinação à Meca todos os anos tem que ser obrigatória!

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