Resenha: Montanhistas Episódios 1 a 5

22
Aug
sem betas
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Finalmente eu consegui tirar o atraso e assistir aos episódios da nova série de escalada, produzida pela Ciranda Filmes para o canal Off. Como eu não tenho TV por assinatura em casa, o jeito foi pedir para o meu irmão gravar os episódios para eu ir assistir quando desse, e ontem foi esse dia.  Tive como companhia o meu sobrinho de 3 anos, que quase não me deixava prestar atenção na TV, e que quando olhava pros caras escalando soltava logo um: “Ele vai cair!”; ao que eu respondia que não ia, e ele replicava dizendo que ia. Com certeza vai precisar ir escalar comigo mais tarde pra perder esse medo.

Episódio 1 – Totem

O primeiro episódio da temporada nos apresenta aos protagonistas da série, os escaladores Hugo Langel e Bernardo Rubim (Biê). A cena de abertura é de deixar qualquer escalador que não mora no Rio de Janeiro doido pra se mudar pra lá na mesma hora. Uma panorâmica do Rio com a narração de Hugo Langel dizendo o quanto ele é abençoado por morar no Rio e poder começar o dia cedinho com uma escalada e depois ir para o trabalho, um privilégio que só mesmo a cidade maravilhosa oferece. E essa vai ser a tônica da série até aqui, mostrar a escalada do Rio de Janeiro como algo único, que não se encontra em nenhum outro lugar do país ou do mundo. E eu tenho que concordar, realmente não existe.

Nesse primeiro episódio a ação se concentra na via Totem no Pão de Açúcar, uma das vias tradicionais mais difíceis e bonitas do Rio de Janeiro. Quem é escalador se identifica logo com a dinâmica da dupla quando eles entram em cena, afinal de contas estamos assistindo ali o que a maioria de nós faz todo final de semana. Chegando na base da via, as velhas e boas discussões sobre quem guia primeiro, quantas costuras levar, quais móveis levar, mas no meio dessa conversa entra uma tentativa de explicação de equipamentos, que fica parecendo meio fora de lugar, talvez pela tentativa de disfarçar a explicação como se fizesse parte da conversa normal de um escalador. Ficou parecendo um pouco quando os atores da globo fazem “merchan” de produtos nas novelas tentando inserir os mesmos na cena. Não encaixa.

Mas logo começa a escalada e ai somos agraciados com cenas de escalada que nada deixam a desejar para produções gringas. Bom trabalho de câmera, buscando quando possível ângulos inusitados (como uma tomada com a câmera dentro de um buraco). A edição faz muito bem seu trabalho (aqui fica os parabéns para um dos editores, meu amigo Caio Gomes), conferindo o ritmo necessário e mesclando bem as cenas da escalada com os depoimentos dos escaladores. Nesse momento é só curtir a via e o visual junto com o Hugo e o Bernardo.

Episódio 2 – Pedra da Gávea

No segundo episódio, Hugo e Bernardo convidam uma amiga, Adriana, para participar da escalada com eles, uma das mais clássicas do Rio de Janeiro, a Travessia dos Olhos na Pedra da Gávea. Logo de cara o que eu notei de diferente nesse episódio foi a abordagem completamente nova em relação às explicações. Acho que eles perceberam que no primeiro episódio ficou estranho e resolveram assumir o lado didático do programa. Pra mim ficou bem melhor assim. Ficou como se você estivesse numa escalada guiada com os caras, com eles dando os toques aqui e acolá. Nesse episódio algumas explicações sobre o Grigri e porque a sapatilha é apertada tiram as dúvidas dos “não iniciados”.

Como sempre, belíssimas tomadas da escalada. E nem poderia ser diferente, já que o visual da Pedra da Gávea é um dos mais fantásticos do Rio: de um lado Barra da Tijuca e Jacarepaguá, do outro a Zona Sul. A participação da Adriana deu uma dinâmica interessante. Os depoimentos dela contribuíram de forma bem orgânica para o episódio, servindo como um meio termo entre aqueles caras e a pessoa comum que nunca escalou (ela confessa ter medo de altura e medo de cair, mas escala). É dela um dos comentários que são praticamente um clichê na boca de qualquer escalador: “o escalador tem dois prazeres, chegar no final da via e tirar a sapatilha”. Mais autenticidade do que isso, impossível. Espero ver outros convidados em breve.

Episódio 3 – Highline na Pedra da Gávea

No terceiro episódio continuamos na Pedra da Gávea, e vamos acompanhar a dupla em uma das especialidades do Hugo Langel, o highline. Pra quem já assistiu a série First Ascent, ver o Hugo andando esse highline não é novidade, já que era ele quem acompanhava os escaladores americanos Sean Leary, Renan Ozturk e Cedar Wright no episódio em que o highline na Pedra da Gávea aparece. O que esse episódio entrega de novidade é como é armado o highline. Sabe aquela pergunta que sempre fazem: como é que eles passam a ponta pro outro lado? Pois é, aqui eles mostram, e não tem muito segredo. Com o highline armado, é mais uma vez um show de imagens de tirar o fôlego.

Depois do highline, é a vez do salto de wingsuit. Hugo explica o equipamento, o que é o wingsuit, quem foi o pioneiro da brincadeira na Pedra da Gávea, e se prepara para o seu salto. De cara se nota a diferença da abordagem sobre qualquer outra produção que mostra basejump que você tenha assistido. Aqui não é simplesmente se jogar , gritar “uhuuuu” e pronto. A edição faz questão de mostrar toda a concentração e tensão antes do salto. Mostra que o negócio não é brincadeira e nem é pra todo mundo.

De todos os episódios até aqui, talvez esse seja o que pecou mais em relação ao ritmo. Talvez  por não ter muita coisa para mostrar e as cenas acabarem ficando meio repetitivas em alguns momentos. Mas ainda assim, um bom episódio.

Episódio 4 – Via Urbanóide

No quarto episódio a bola da vez é a via Urbanóide, no Morro do Cantagalo, cercado de prédios por todos os lados. Comprovando que a parte didática foi realmente assumida pela produção do programa, mais uma vez vemos os toques do Hugo e do Biê sobre equipamento, procedimento. Nesse eles falaram sobre o nó oito e o uso do capacete antes de partir pra via, com alguns comentários sobre exposição, paradas. Tudo bem básico, mas bem interessante. O legal desse episódio foi ver pela primeira vez os caras com cara de quem tavam “perrengando” na parede. Começa com o Hugo reclamando da primeira chapa alta, e automaticamente você sente aquele frio na barriga característico quando você se prepara pra encarar um lance exposto.

Eu não conhecia, nem nunca tinha ouvido falar da Urbanóides, e o episódio me deixou realmente com vontade de repetir a via. Escalar cercado de prédios deve ser uma sensação completamente diferente. Escutando as pessoas conversando em suas casas, como comenta o Hugo em determinado momento. Confesso que fiquei esperando alguém gritar de um prédio próximo: “Desce daí, doido!”, mas não foi dessa vez. Essa foi a primeira vez que vimos a dupla rapelar pra descer de uma via, embora sem muitas explicações sobre o procedimento. Mais um ótimo episódio!

Episódio 5 – K2

O último episódio que foi ao ar enfocou uma via super clássica do Rio de Janeiro, a K2 no Corcovado. Dessa vez a lógica se inverteu um pouco, e o Hugo que sempre guiava a primeira, deixou a saída por conta do Biê, que ficou fissurado pra guiar o diedro inicial. A escolha da dupla foi deixar de lado os grampos e proteger o diedro somente com móveis, o que render uma breve explicação do funcionamento do equipamento. O legal desse episódio pra mim foi (re)ver a via que eu cheguei a entrar, mas não continuei. Na minha última trip para o Rio o tempo não ajudou muito, e tive que abortar a escalada ainda no diedro inicial.

Pra quem nunca fez a via e tem vontade de fazer, é praticamente uma aula de como fazer a K2. Pontos que antes a gente só ouvia falar, como o famoso lance do palavrão (que eu achava que era logo depois do primeiro diedro), ficaram bem evidentes e não pareceram tão difíceis, mas vai saber né? Rola até uma “trolagem” do Hugo com o Biê, indicando o local onde ele vai bater se cair no lance. Deu pra dar umas boas risadas nesse episódio.Obviamente que o melhor da via, é o final. Chegar aos pés do Cristo Redentor escalando, é um privilégio que só nós temos.

Fazendo um balanço dos 5 episódios até aqui, a série Montanhistas tem mostrado muitos mais acertos do que erros. A abordagem a seguir pareceu meio indecisa no começo, mas agora para ter se firmado. Como escalador gostaria de ver algo realmente mais voltado para nós, com vias um pouco mais desafiantes, talvez um pouco mais de perrengue, mas de certa forma entendo a escolha por um caminho menos hermético, que do ponto de vista de difusão do esporte é bem mais eficiente. A qualidade técnica é incontestável, tanto no trabalho de direção e fotografia, a cargo do idealizador Seblen Montovani, quando a parte de edição a cargo da equipe da Ciranda Filmes. A série está se mostrando instrutiva e divertida, tanto pra quem escala, quanto pra quem nunca escalou na vida. Mas o grande destaque mesmo fica por conta da dupla escolhida pra protagonizar a série. Hugo e Biê esbanjam simpatia e bom humor durante todo o programa, sem contar que deixou transparecer o entrosamento e a amizade que fazem parte de qualquer parceria de escalada.

Hoje vai ao ar o sexto episódio da série, que vai sair agora da capital carioca e visitar a Pedra do Elefante, na região serrana do Rio, e vai ter como convidado o escalador Ralf Cortês. Fica ai então a dica, pra acompanhar os próximos episódios e conferir as reprises dos que já tiverem passado.

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