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1 set 2010

A escalada e a vida.

Esse foi um dos primeiros textos que eu escrevi no blog, e que achava ter se perdido para sempre depois do meu problema com o servidor. Mas graças ao meu amigo Claudney, que havia reproduzido o texto no site do Clube Excursionista Light, eu pude recuperar, talvez as melhores palavras que já coloquei no blog, e agora reposto aqui pra vocês!

Das muitas coisas que fizeram eu me apaixonar pela escalada, uma que eu me pego constantemente divagando, é a incrível semelhança das experiências de uma escalada com a vida em si. Pra mim, parece a metáfora perfeita. Me dei conta disso logo nos primeiros dias que comecei a escalar, quando me vi frente às dificuldades das primeiras vias, e realmente me fez encarar o ato de escalar sob uma outra perspectiva, além do mero esporte. Me fez fazer da escalada, um caminho de auto-conhecimento e transformação pessoal.

Eu comecei a escalar em 2007. Naquela época minha vida já vinha mudando bastante, desde 2005, e era parte da minha natureza tentar trabalhar os aspectos mais negativos da minha personalidade. E um que é meu calcanhar de aquiles, é a insegurança. Sempre fui um cara inseguro, não vou mentir. Em todas as áreas da minha vida a insegurança aparece pra me atrapalhar, e quando eu comecei a escalar, percebi de cara o embate tremendo que eu iria ter com ela.

Lembro dos meus primeiros dias, ainda na resina, empacado em um lance. Eu simplesmente não conseguia alcançar a agarra, apesar dos gritos de incentivo de todo mundo lá embaixo. Eu via os outros fazerem o lance e me perguntava o que havia de diferente, e me dei conta que a diferença era a confiança. Os outros acreditavam que podiam fazer o movimento, eu não. Essa foi minha primeira lição: confiar mais em mim mesmo. Fui para o lance com esse pensamento, e apesar de não conseguir de primeira, mandei depois de algumas tentativas. Sensação de vitória indescritível. Não de vitória sobre o lance, mas vitória sobre mim mesmo. Vitória sobre meu medo, minha insegurança.

Depois daquele dia, fiquei pensando se eu podia transpor esse aprendizado pra minha vida. Quão bom seria, no meu dia a dia, ter sempre essa sensação que eu tive escalando: Vitória! E decidi que era assim que passaria a tentar viver, vendo a vida como uma longa via de escalada, cheia de cruxes que eu tinha que transpor.

Na vida, todos temos objetivos, por menores que sejam. Sempre miramos em algo que desejamos conquistar, material ou não. Na escalada, o objetivo é o topo, seja da via esportiva, do boulder, ou da montanha. Em ambas nós vamos encontrar dificuldades e desafios a superar para alcançar o objetivo. E é o modo como você vai encará-los que vai definir suas chances de sucesso.

Na escalada, várias vezes nos encontramos numaposição de conforto. Pés bem apoiados, uma agarra “mamãe” pra descansar e bem próximos da proteção. Mas não dá pra ficar naquela posição pra sempre se você quer chegar no topo. Então você tem que sair daquela posição de conforto e equilíbrio e buscar a próxma agarra, lançando-se na angústia do desconhecido.

Quantas vezes na vida não estamos em posição semelhante? Alcançamos uma posição na vida que é até relativamente confortável, mas é longe daquilo que almejamos realmente? Muitas pessoas escolhem ficar nessa posição, e não vão ao encontro “da próxima agarra”. Tudo por que não querem correr o risco de cair, de fracassar.

Mas na escalada, assim como na vida, cair faz parte do processo, e você aprende com isso. Você não pode viver com medo da queda, assim como não se consegue escalar se você ficar com medo de cair. Você deve aceitar o risco da queda, e controlar o medo. Não deixar ele te impedir de viver essa nova experiência na vida. É assim que se escala, e é assim que se deve viver. Esse foi um dos “insights” mais reveladores da minha vida.

Na escalada e na vida, nós vamos enfrentar muitos cruxes, onde temos que tomar essa decisão: assumir o risco da queda ou recuar. Mas apesar de ter aprendido escalando, que eu tenho que assumir o risco da queda, também aprendi que saber a hora de recuar é igualmente importante.

Assim como num crux, nesses momentos de decisão você deve se colocar num estado mental que te permita julgar a situação desprovido do medo puro e simples. Julgar o momento visualizando suas reais capacidades, sem inseguranças, mas também sem orgulho. Se você se sente realmente pronto para o lance, ou o desafio da vida, controle o medo do fracasso, e vá com tudo que você tem. Se você sente verdadeiramente que o lance supera suas capacidades, então aquele realmente não é o momento para despejar sua energia. Reconhecer seus limites também é algo fundamental para o sucesso, tanto escalando, quanto vivendo.

A escalada tem me ensinado muito, e tenho tentado trazer para a minha vida os ensinamentos que ela me proporciona. Não sei se as pessoas à minha volta têm percebido isso, mas eu sinto que eu não sou mais a mesma pessoa desde que comecei a escalar.

Muitas pessoas procuram uma vida inteira por algo que realmente as conecte com algo maior do que elas mesmas. Algo que as faça perceber que a vida tem algo mais para oferecer, e você algo mais a oferecer pra vida. Alguma coisa que as faça olhar pra dentro de si mesmas e enxergar seu verdadeiro potencial. Eu até já procurei em outros lugares, mas foi subindo uma rocha, amarrado numa corda, enfrentando meus medos, minhas fraquezas, que eu descobri o verdadeiro caminho pra compreender a vida e a mim mesmo. Meu caminho para a iluminação!

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Postado por Neudson em : Relato, Texto , trackback
Tags:Desafio, Iluminação, Vida

Comentários»

1. Claudney - 1 set 2010

Gosto muito desse texto. Tanto que o reproduzi! Parabéns mais uma vez!

2. Thiago - 1 set 2010

Parabéns pelo texto! É exatamente como me sinto em relação à escalada. Tanto que não a considero como somente um esporte, mas também uma filosofia, religião, psicóloga e muitos outros. Quantas vezes tava puto, por qualquer motivo que fosse, e após uma sessãozinha de bouder se sentir muito melhor, mesmo não mandando nada!

Aliás, esse é um aspecto interessante da escalada. Claro que o objetivo é chegar ao topo, mas quantas vezes não me senti bem simplesmente tentando? Ou interagindo com a galera, sendo que se um amigo mandasse o lance, já seria alegria suficiente. Pelo menos se ninguém mandar, já ficam lições e betas para a próxima tentativa. Escalada é isso aí, interagir com o grupo, dar risadas no mato, ficar feliz quando seu camarada consegue uma vitória.

Dois aspectos que acho que complementariam o texto são o desapego e o melhoria da saúde. Todos temos nossas atividades de lazer. Alguns gostam de motos, têm amigos que gostam de motos, se juntam a motoclubes, gastam horrores com peças, viajam juntos, etc. Outros gostam de computadores, procuram conhecer as novas tecnologias, compram celulares touchpads de última geração, interagem em fóruns de internet. O que difere esses grupos dos escaladores?

Acho que no geral os escaladores são muito mais desapegados que os outros grupos. Os motoqueiros, por exemplo, se dividem em grupos com motos medianas, e motos fuderásticas. Eles recriminam os caras que tem motos basiconas. A inveja em geral não faz parte do vocabulário de um escalador. Geralmente gastamos pouco com equipamentos, por um único motivo: nenhum equipamento vai te fazer mandar uma via além de sua capacidade. Os únicos capazes de fazer isso somos nós, nús e crus. Evoluir para nós é uma questão de tempo, paciência, muito trabalho (mas muito mesmo) e, claro, diversão! É incrível ver vídeos da galera mandando vias difíceis usando pés descalços, proteções móveis feitas de nós de cordas! Ver o Dan Osman subindo a 100km/h sem proteção e dando risada! É isso que mais me atrai na escalada. Tem um momento que vc realmente chega a pensar em comer melhor, perder uns quilinhos, dormir melhor, parar de beber (tá, nem tanto) só pra conseguir mandar aquele karma, ou fazer aquela viagem pensando nas fotos que vai mostrar pra sua mãe guiando uma das fendas da Agulha Frey, e ver ela esbugalhar os olhos e dizer: “Que é isso meu filho, vc é louco?”. É a busca incansável por emoções, sensações, sentimentos que fazem você dar risada quando alguém faz perguntas existenciais ou de cunho religioso.

Fui escalar pela primeira vez na vida em uma academia de Curitiba que nem existe mais, levado por um amigo, num dia chuvoso, eu estava muito deprê. Só é necessário dizer que um dia depois, ainda sem conseguir segurar uma caneta direito, assinei o papelzinho do cartão de crédito comprando minha primeira sapatilha em muitas vezes. De lá pra cá sequer cogitei em parar. Escalada é o que mantém minha mente em ordem, me ajuda a enxergar as coisas com mais calma, me ajudou a ser uma pessoa mais paciente, mais justa e sensata. Posso seguramente afirmar que vou escalar até que minhas juntas não aguentem mais. Não faço da escalada minha vida, até porque tenho algumas bocas pra alimentar, mas não imagino minha vida sem a escalada.

É isso aí já falei demais! É foda porque quando vejo textos como esse, fico extremamente motivado, não somente pra torrar uns dedinhos, mas para que outras pessoas possam “encontrar” a escalada tal como um dia eu encontrei. Escalada é religião, e agora dá licença que eu vou rezar um v3!!!

3. Diogo Rolim - 1 set 2010

É realmente uma das vivencias mais interessantes que já vi ou ouvi sobre escalada, além de uma ótima perspectiva e apresentação do esporte para os iniciantes. Muito bom mesmo!!!

4. Daniele Negreiros - 6 set 2010

Neudson que bela inspiração, fico felicíssima que tenhas encontrado o texto, pois de alguma forma isso havia passado por minha mente, desde a primeira vez que subi em um muro (apesar de não fazer tantos meses).
A escalada foi diferente de tudo o que eu ja havia experimentado de esporte na vida…Talvez o texto responda alguns dos porques…
Me arrepiei e lacrimejei, o que revela a arte da sua escrita, pois só através da arte nos aproximamos da reprodução do indizível, aquilo que perpassa mais fortemente o âmbito experencial…
Parabéns…

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